quarta-feira

Estela

(episódio II)

  Conheci Estela devido a sua natureza curiosa e perguntadeira, meu silêncio a instigava, e sua personalidade energética me encantava... E a quem não encantava aquela figura radiante, aquela criatura saracoteante de juba loura-mel? Seus olhos grandes e amendoados, que só se encolhiam ao gargalhar, quando suas gordas bochechas recheadas de sardinhas engoliam sua cara inteira, obrigando até o mais carrancudo e tétrico ser a rir junto com ela.

Pegamos amizade num dia só, de uma só vez:

Como de rotina, tomava meu vanilla expresso sentado no banquinho da cantina, esperando aquele perpétuo recreio se acabar...
Eis que como um raio Estela me apareceu, atirando umas e mais outras perguntas...
"Você se chama Camafeu, certo?... Você tem cara de músico, você toca?"
"Parece que te conheço de algum lugar, sabia? Você acredita em reencarnação?"

A princípio, apenas respondia, seco e assustado.... Cabisbaixo, assistia ao seu monólogo, com escassas intervenções monossilabicas. Mas tamanho era o interesse e insistência de Estela, tamanho sorriso afável daquele ser, que logo entendi... e peguei gosto pela brincadeira.
A partir da sétima pergunta que Estela me fez, passei a lhe perguntar também... seus olhos alumiaram-se então... deixando escapar um certo risinho ansioso de criança.
"Me diga... você crê em destino ou em coincidência, Estela?"
"Destino, claro." respondeu ela, convicta.
"Uau! eu também... Que coincidência, não?!" exclamei, imitando certa cena de um velho seriado de TV. E caímos numa longa gargalhada... até esquecermos porque e do que ríamos.
Assim, fomos conhecendo um ao outro... e o outro, de si próprio coisas que outrora não sabia existir. Conversamos sobre tudo - coisas infinitas mais etceteras ao quadrado.

Inesperadamente, o sinal tocou... não do fim do intervalo como imaginávamos, mas o último sinal, o do término das aulas!
Passei a acreditar em Einstein e sua teoria sobre a relatividade do tempo após este dia...
Afinal, o tempo que voou e de suas horas fizeram-se minutos, e de seus minutos, segundos... batendo o derradeiro sinal, foi o mesmo tempo que se fez parecer meia dúzia de anos de amizade e intimidade entre Estela e eu. Foi então na despedida que, feito dois amigos de tempos remotos (e, talvez, passei mesmo a crer em reencarnação, Estela...) nos olhamos, como se compreendêssemos juntos uma amizade extraordinária que surgia, num breve silêncio... - este, teoricamente, é a ausência do som. Assim como o frio é ausência de calor. Mas não aquele silêncio... o silêncio meu e de Estela era terno... e quente... e belo... sem ausência alguma. Cheio...

Agora, continuemos de onde havíamos parado, naquele rocambolesco e embaraçoso dia, na sala de aula...

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