quinta-feira

Rocamboles

(episódio I)


Um som turvo e desordenado

Embaraçado com um pedaço de resto de sonho

Veio crescendo... fugaz.

Até inundar por cheio meus ouvidos

Espantando o sonho, que sumiu de vez...

Abri os olhos. Pude então discernir os sons que buzinavam pela casa: a televisão da sala cantarolava músicas melosas de plástico da MTV. Mamãe falava ao telefone sobre o chá de panela da vizinha da empregada. Ao quarto, meu pai discutia com a previsão do tempo do telejornal.
Esfreguei minhas ramelas e... Ah, sim! Havia também o despertador - gritando sua existência, proclamando seu ofício, já um tanto dispensável...

Pus-me de pé. Desconfortavél... eu não cabia em mim. E já sabia, passaria o dia tentando caber. Puxando de um lado, esticando do outro. Submerso em mim, sem sentir a vida.
Não, não me chame de pessimista, mas já era sexta-feira e aquele dia semanal fadado ao tédio e constrangimento ainda não havia chegado... Sabe de qual ordinário dia falo? Daquele em que todas coisas - passos, gestos, cumprimentos, conversas, olhares - conspiram ao mais rocambolesco embaraço. Seria melhor passar esses dias trancafiado em casa, mas eles não escolhem cair nos feriados ou fins de semana, claro... Eu tinha que ir à escola.

"Camafeu... está atrasado de novo, meu filho?" Mamãe me falava com ar de decepção, aquele pior que de qualquer bronca, tapando a boca do telefone em que ainda tagarelava.
"É que meu despertador não tocou, mamãe..." Ai, se meu despertador tivesse ouvidos! esbravejaria revoltado ao me ouvir dizer isto, depois de toda sua gritaria...

Agora, vamos pular os irrelevantes acontecimentos no ônibus... o que consta dizer apenas é que, como de praxe, não prestei atenção no trajeto e, por mais que pegue o mesmo 332 todo dia, não o sei de cor ainda. E "naqueles dias" (não me refiro a certas fases de mulher... apesar de, metaforicamente, ter sua semelhança...) as coisas ficam ainda piores, já que não tenho olhos para nada além de meus embaraços. Mas isto não é de todo ruim, já que o percurso inspira reflexôes, um tanto sem pé nem cabeça, mas devem render para algo... ou não.
Eis o principal resultado de minhas reflexões: perdi meu ponto de descida, chegando ao colégio um pouco mais atrasado que de costume.

Sobre um pé melindroso e outro pendular, atravessava o corredor de olhos espetados da classe, que me espetavam de cima a baixo. Procurei lugar vago... nenhum. Já no fundo da sala, olhando eu para trás... percebi Estela acenando eufórica... apontando um lugar guardado pra mim ao seu lado.
Ah... vale apresentar minha querida amiga a você, meu possível raro leitor, antes de prosseguir com minhas idiotices embaraçantes...


Conheci Estela devido a sua natureza curiosa e perguntadeira, meu silêncio a instigava(...)

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